quinta-feira, 14 de junho de 2012


Preservar ou não, eis a questão


Pesquisador Alysson Muotri fala sobre a preservação das células- tronco do cordão umbilical em seu artigo
sex, 04/05/12
por Alysson Muotri 
Todo dia recebo mensagens de pais “grávidos” que perguntam sobre o armazenamento das células do cordão umbilical do futuro bebê. Vale a pena? Serve pra quê, afinal?
A ideia de armazenar as células do recém-nascido para uso posterior existe desde a década de 90. Foi nessa década que os pesquisadores começaram a testar se células-tronco presentes no sangue do cordão umbilical poderiam tratar pacientes que sofriam de certas doenças sanguíneas, como leucemia. Resultados positivos levaram a criação de bancos públicos e privados que oferecem o congelamento das células do cordão. O principio é que o bebê terá acesso a suas próprias células, caso ele ou alguém próximo da família precise de uma infusão.


O processo é relativamente simples, após o nascimento, o cordão é grampeado e cortado na sala cirúrgica. O sangue é então transferido parauma bolsa plástica estéril, identificada e mandada ao laboratório para exames rigorosos, processamento e armazenamento. Não há risco para o bebê ou mãe porque o sangue não é coletado até que o cordão seja cortado. Quando chegam ao laboratório, as células são preparadas para o congelamento e armazenadas em nitrogênio líquido. Em condições ideais de congelamento, as células podem ser preservadas por tempo indeterminado, havendo evidências de células preservadas há mais de 20 anos sem perder a viabilidade.


É indiscutível a importância das células-tronco de cordão umbilical no tratamento de doenças do sangue, mas para tomar a decisão correta se vale a pena armazenar ou não, é preciso primeiro entender as possibilidades de uso das células originadas do cordão umbilical. Existem diversos tipos de células no sangue do cordão umbilical, incluindo células-tronco hematopoiéticas (capazes de formar sangue) e células-tronco mesenquimais (capazes de formar tecidos conjuntivos, como cartilagens). O transplante de células-tronco hematopoiéticas faz sentido quando se procura tratar doenças do sangue. Esses transplantes estão ficando cada vez mais comuns, e sua relevância consiste na dificuldade de se encontrar um doador de medula compatível. Existem diversos protocolos experimentais, testando a eficácia do uso das células do cordão para tratamento de outros tipos de doença.


No Brasil a legislação regulamentou o funcionamento dos bancos de cordão umbilical desde junho de 2004, prevendo bancos públicos e privados. Os bancos públicos funcionam como bancos de doações, ou seja, quando você decide estocar as células de seu filho está fazendo uma doação para um futuro paciente que precise delas e que seja compatível geneticamente. Caso seu filho precise das células no futuro, corre-se o risco de não ter doadores compatíveis naquele momento. Você, muito provavelmente, não receberá as células que doou. Já os bancos privados funcionam como um banco pessoal, você é quem controla quem vai receber as células. Portanto, a menos que você decida doar para outra pessoa, as células estarão à disposição para seu filho ou algum familiar próximo. Em alguns países existem situações híbridas, mas essencialmente as regras são essas: em bancos privados, quem decide o destino final das células é você.


Outras diferenças entre bancos públicos e privados: não são todos os hospitais que aceitam doações públicas e, apesar de serem de graça, é possível que você tenha que pagar algumas taxas se precisar usar células dos bancos no futuro. Bancos privados trabalham com vários hospitais indicados pelo casal e cobram uma taxa de recolhimento e uma anuidade para manter as células congeladas. Os valores variam e planos de saúde provavelmente não vão cobrir essas despesas. Como existem vários bancos privados, uma desvantagem relativa  é que nem todos seguem um protocolo consistente de coleta, processamento e preservação, apesar de todos serem obrigados a seguir a mesma legislação. Neste sentido, existem bancos privados que buscam respaldo de agências regulamentadoras nacionais e internacionais (tais como ISO, ONA, AABB, FACT), que podem ser ainda mais rigorosas que a legislação exige em termos de qualidade e segurança do material armazenado.


Diante destas considerações, uma certeza hoje é que as células-tronco do sangue de cordão umbilical estão bem estabelecidas como fonte alternativa para o tratamento de doenças do sangue e alguns tipos de câncer que necessitam de uma reserva de células previamente coletadas para resgatar a medula óssea após quimioterapia potente. Assim sendo, considerando que o sangue de cordão umbilical é uma fonte de células usualmente descartada e a coleta só pode ser realizada ao nascimento, a decisão pela preservação ou não das células continua uma decisão pessoal de cada família, devendo ser tomada com o máximo de informação possível.



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